História
Zona Sul tem roteiro modernista

Em fevereiro de 1922, um grupo de arti8stas e intelectuais revolucionava a forma de fazer, pensar e exibir arte no Brasil, usando a capital paulsita como seu principal cenário.
Embora o distanciamento histórico e a evolução do debate apontem que o movimento tenha sido restrito a uma elite da época, não se pode questionar sua importância e as heranças que deixou – até mesmo para aqueles que tecem críticas a ela.
Embora suas origens estejam na literatura e na arte, o modernismo criou um ambiente de renovação e de mudança, uma atitude nova diante do mundo e do conhecimento. Isso impactou enormemente o ensino e a pesquisa, sobretudo na área de Humanidades, mas extrapolou em muito esse domínio.
A avaliação foi feita esta semana pelo presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago.
“A própria criação da Universidade de São Paulo [USP, em 1934] e, por consequência, da FAPESP [em 1962], 40 anos depois da Semana de 22, fazem parte dessa nova atitude diante do mundo”, disse Zago.
O fato é que São Paulo, nessa época, tinha menos de 600 mil habitantes! Isso mesmo, menos de 5% da população atual.
A cidade era muito diferente do que conhecemos hoje, não só pela falta de vias asfaltadas e carros, mas porque o que chamamos de centro antigo hoje. Os demais bairros da capital tinham características rurais – pequenos sítios e casas esparsas.
Não existia o Ibirapuera, que seria criado só na década de 1950. A Vila Mariana acabara de se livrar de um matadouro de animais que fornecia carne para seus moradores – o prédio resiste até hoje: é a sede atual da Cinemateca, no Largo Senador Raul Cardoso.
O Jabaquara? Nem fazia parte da cidade – mas sim do município vizinho de Santo Amaro. Ali, na divisa, onde hoje existem os bairros de Vila Guarani, Conceição e Cidade Vargas, havia o Parque Jabaquara.
Cenário posto, fica fácil entender porque a maioria dos roteiros culturais que se refere ao evento restringe-se ao Centro. Afinal, foi ali que a programação cultural se desenrolou, especialmente dentro do Teatro Municipal.
Mas, vale destacar que a Vila Mariana é um dos bairros que mais ficou marcado pela presença dos modernistas durante a década de 1920.
Saiba por quê:
Casa Modernista
O bairro da Vila Mariana foi o escolhido pelo arquiteto russo Gregori Warchavchik para desenvolver o projeto da residência de sua família.
Recém casado com Mina Klabin, filha de um grande industrial da elite paulistana, ele desenvolve seu projeto em terreno próximo à casa de Lasar Segall, casado com a irmã de Mina, Jenny. Ali, na rua Santa Cruz, é erguida, então, a casa que seria considerada a primeira obra de arquitetura moderna implantada no Brasil.
A casa gerou forte impacto nos círculos intelectuais e na opinião pública em geral, com a publicação de artigos em jornais dos mais diversos espectros políticos, favoráveis ou contrários à nova orientação estética proposta. Destituída de qualquer ornamentação e formada por volumes prismáticos brancos, a obra era tão impactante para a época que, para conseguir obter aprovação junto à prefeitura, o arquiteto apresentou uma fachada toda ornamentada, e quando concluiu a obra, alegou falta de recursos para completá-la. Além da edificação, mereceu destaque o jardim, projetado por Mina Klabin, devido ao uso pioneiro de espécies tropicais.
Pronta em 1928, a casa se tornou ponto de encontro dos modernistas que ainda agitavam – e muito – a cena cultural paulistana.
Tombada como patrimônio histórico depois de muita luta da comunidade vizinha, já que a família havia vendido o terreno e ali seriam construídas torres de edifícios, a Casa hoje está preservada, bem como o jardim em seu entorno. O Parque Modernista fica na Rua Santa Cruz, 328 e pode ser visitado gratuitamente, de terça a domingo, das 9h às 17h.
Museu Lasar Segall
O artista lituano Lasar Segall vivia na Alemanha na década de 1920 quando, pressionado pela crise econômica, decide se mudar para o Brasil. Em fins de 1923, chega a São Paulo, onde é acolhido pelos modernistas, que saúdam sua chegada como uma vitória para as vanguardas brasileiras. Mário de Andrade, o mais entusiasta entre eles, escreve uma série de ensaios sobre Segall, publicando-os na imprensa paulistana.
Em 1924, promove a conferência Sobre arte, na Villa Kyrial, residência do senador José de Freitas Valle, também na Vila Mariana (veja ao lado).
Em junho de 1925, Segall casou-se com Jenny Klabin, mas no mesmo ano, o casal parte para a Europa, onde permaneceria até 1932.
No retorno, o artista, a esposa e os dois filhos nascidos durante o período na Europa se fixaram residência na casa da Rua Afonso Celso, local que hoje abriga o Museu Lasar Segall. A casa e o ateliê foram também projetados pelo arquiteto Gregori Warchavchik, concunhado do artista e precursor da arquitetura moderna no Brasil.
Parte dos móveis e objetos foi criada pelo próprio Segall.
O Museu Lasar Segall começou a ser criado em 1957, ano de falecimento de Lasar Segall por projeto da viúva Jenny.
O Museu hoje mantém ainda o ateliê do artista, boa parte do acervo de obras de influência modernista, e os móveis desenhados por Segall.
Pode ser visitado gratuitamente, de quarta a segunda, das 11h às 19h. Fecha às terças. Fica na Rua Berta, 111 – V. Mariana. Telefone: 2159 0400. Site: museusegall.org.br.
Villa Kyriall
Se as casas de Warkchavchik e Segall eram freqeuntadas pelos modernistas mais na década de 1930, a Villa Kyrial, também na Vila Mariana, já recebia os artistas e intelectuais bem antes, na efervescência que levou à Semana de Arte Moderna de 1922. A casa foi construída bem no início do século XX, pelo então senador Freitas Vale. Um terreno de 7 mil metros quadrados abrigava a casa que tinha um estilo belle époque e era ricamente decorado se assemelhando a salões frequentados por artistas e intelectuais na Europa.
Ao casarão foi dado o nome de Villa Kyrial e ficava na altura do número 300 da atual Rua Domingos de Morais. O nome tem origem grega. Talvez tenha sido esse visual e charme que atraíram artistas como Mario e Osvald de Andrade, Guilherme de Almeida, Mario de Andrade e Lasar Segall, que promoveu conferência de arte no local.
Mas, diferente dos outrospontos históricos, a Villa Kurial não existe mais, foi demolida e deu lugar a um prédio na década de 1960. Também surgiu a rua Eduardo Martinelli onde, estima-se, ficava parte do imenso e arborizado terreno (foto acima).
Quem quiser conhecer mais sobre a história da Villa Kyrial encontra, entretanto, ótimas e completas histórias no livro Villa Kyrial, da historiadora Marcia Camargos, hoje residente em Paris.
Mac/Usp
Também na Vila Mariana, o Museu de Arte Contemporânea da USP é outro endereço obrigatório para quem quer conhecer mais a obra dos modernistas. Tem entrada gratuita, de terça a domingo, das 9h às 17h, e fica na Av. Pedro Álvares Cabral, 1301
Ali há obras de expoentes do modernismo como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Há também atualmente uma exposição que resgata outros trabalhos dos modernistas que nos permitem observar os processos utilizados na inserção dessa linguagem no cotidiano. Trata-se de projetos para ilustração, cartazes e capas de revistas; estudos para murais decorativos etc.
Casa do Sítio da Ressaca
Mas, e o Sítio da Ressaca, casa bandeirantista provavelmente construída no século XVII, em que está relacionada ao movimento modernista? Esse patrimônio histórico estava esquecido e abandonado em área erma no Jabaquara, quando Maro de Andrade foi o primeiro secretário de Cultura da Cidade e garantiu que se tornasse um bem preservado.
Fica na Rua Nadra Raffoul Mokodsi, 3, Jabaquara.
Com informações da Secretaria Municipal de Cultura, Museu Lasar Segall
