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História

Antigo prédio do Doi-Codi, na Vila Mariana, é tombado

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Em 2014, o Brasil relembra os 50 anos do Golpe Militar de 1964. De forma emblemática, esta semana foi aprovado o tombamento de um dos cenários mais tristes e violentos deste período de tortura e cerceamento à liberdade individual.

Foi finalmente decretado o tombamento das antigas instalações do Doi-Codi, que fica na Rua Tutóia, 121, onde funcionam atualmente o prédio e os anexos do 36° Distrito Policial, a delegacia da região de Vila Mariana.

O Doi-Codi, abreviação para Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, era um espaço de repressão, onde vários presos políticos foram interrogados, torturados e assassinados no período da ditadura militar. Lá morreu, por exemplo, o jornalista Vladimir Herzog.

O processo para analisar a preservação do espaço partiu de um pedido de Ivan Seixas, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE), aberto em junho de 2012. Seixas já foi um dos presos políticos: ainda adolescente, foi levado ao Doi Codi junto com o pai, Joaquim Alencar Seixas, em abril de 1971. O pai acabou assassinado.

O pedido também ganhou adesão de outras entidades, como o Grupo Tortura Nunca Mais (São Paulo), o Fórum dos ex-presos políticos do Estado de São Paulo, o Núcleo Preservação da Memória Política e a Comissão de Familiares de Presos Políticos Mortos e Desaparecidos.

O tombamento pelo Condephaat tem caráter diferenciado de outras resoluções de preservação de prédios em São Paulo. Desta vez, o caráter histórico não está relacionado à importância arquitetônica como símbolo de uma estética ou linha de trabalho de uma época, meramente, mas sim pelas memórias que evoca.

Como assinalou o estudo da UPPH (Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico), o lugar possui um apelo estético particular, e carrega uma difícil simbologia política. Segundo o Condephaat, o parecer favorável ao tombamento esteve menos preocupado com as características formais da edificação, destacando que se trata de patrimônio material que evoca as memórias de um momento longo e sombrio de nossa história recente.

“Esta foi uma decisão emblemática tomada a partir de uma manifestação da sociedade civil que recorreu a este órgão. Este processo se torna uma referência, assim como a decisão do conselho, que honra este parecer, tornando-se parte da consolidação da democracia do nosso País”, afirmou o secretário de Estado da Cultura, Marcelo Mattos Araujo, que acompanhou a reunião.

“A decisão reitera a preocupação permanente da prática do Condephaat em problematizar os seus campos de atuação discutindo os lugares de memória e seus significados”, diz a presidente do Condephaat, Ana Lúcia Lanna. Com a decisão, caberá ao Condephaat atuar para que futuros projetos de intervenção e restauro estejam de acordo com as diretrizes determinadas pela resolução de tombamento do bem, de forma a garantir sua preservação para esta e futuras gerações.

“Estou extremamente emocionado com o trabalho feito pela equipe técnica, sinalizando que o conjunto deve ser tombado. É importante que tenhamos não apenas um local simbólico, como o Dops, e sim mais um como o DOI-Codi, como exemplo da repressão política do nosso País, lembrando todos os que passaram por lá e saíram mortos, como o meu pai”, declarou Ivan Seixas.

A morte do jornalista Vladimir Herzog é considerada um marco na ditadura e considera-se que começou a mudar os rumos da política de exceção que o país vivia. “Ao decidir pelo tombamento do prédio, o Condephaat mostra que está em sintonia com debates políticos recentes fundamentais para a continuidade de nossa democracia, assim como com discussões importantes da área de patrimônio”, disse o parecer do conselheiro relator.

O parecer do Condephaat ainda avalia que tombamento será um primeiro passo para que se concretize a ideia de transformar o memorial sobre a tortura. “Não pode a delegacia permanecer sem uma possibilidade de visitação que instigue aquele que pouco conhece dessa passagem nefasta de nossa história, ou que acolha aquele que conhece, para não dizer as famílias daqueles que conheceram, literalmente, na pele o tamanho do arbítrio de que o estado autoritário foi capaz”, aponta o relatório.

Por outro lado, assume que o prédio é desprovido de valor arquitetônico relevante e distante de um circuito de artes plásticas e música erudita. “Ordinariamente situado em um bairro de uso misto, o prédio cinza da Rua Tutóia pode se dedicar apenas a provocar conhecimento e reflexão. Em outras palavras, talvez já tenha chegado, e há muito, o momento de se colocar o dedo na ferida e temos aqui uma oportunidade ímpar. O sentido desse tombamento deve ser a criação de um lugar de memória, verdade e justiça, como consta no pedido das associações que deram início a este processo”, conclui o parecer assinado por Silvana B. Rubino, da Unicamp.

Existe um projeto de 2001, assinado por Oscar Niemeyer, para transformar o antigo Doi Codi em Centro da Memória e da Tortura. Foi um dos últimos desenhos feitos por ele, que chegou a declarar ser seu sonho vê-lo transformado em realidade. Entretanto, ainda não há qualquer decisão quanto ao uso do projeto de Niemeyer, nem previsões quanto ao prazo para desocupação da delegacia ou reforma do prédio.

 

 

“Delegacia não pode permanecer sem possibilidade de visitação”, diz Condephaat

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