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Coronavírus

A pandemia e nossa saúde mental

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O isolamento social é a principal recomendação das autoridades de saúde mundial, a fim de evitar a propagação do coronavírus, causador da covid-19. A medida, no entanto, impôs as pessoas uma mudança radical no estilo de vida. Somando-se ao medo de ser contaminado, à impossibilidade do contato físico, entre outros fatores, a situação acaba trazendo transtornos também à saúde mental da população.

Para falar mais sobre esse assunto, convidamos Jair de Jesus Mari, médico psiquiatra, professor titular e chefe do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo:

Quais são os principais sintomas psicológicos que podem aparecer em momentos como esse de pandemia e quarentena que estamos vivendo?

Os sintomas psicológicos estarão relacionados com as fases da epidemia. A primeira fase é caracterizada por uma mudança radical de estilo de vida. A primeira reação é a do medo de ser contaminado pelo vírus invisível que se aproxima. As dificuldades começam a surgir com a necessidade da redução e distanciamento do contato físico. Para nós latinos não é nada fácil deixar de se abraçar e de se tocar. É difícil mudar comportamentos, mas precisamos nos policiar para evitar os abraços e beijinhos. A primeira reação é de estresse agudo relacionado com a pandemia que ocasiona uma circunstância súbita e inesperada. O foco de apreensão é o medo de ser contaminado, o que não difere muito de situações traumáticas como um desabamento ou terremoto. A epidemia é, portanto, um forte fator de estresse que, por sua vez, é fator causal de desequilíbrios neurofisiológicos. Os profissionais de saúde são os mais vulneráveis pelo maior risco de contaminação. A persistência e o prolongamento destes desequilíbrios hormonais, inflamatórios e neuroquímicos podem desencadear um transtorno mental mais grave. A segunda fase da epidemia está relacionada com o confinamento compulsório, que exige uma forçada mudança de rotina. Nesta fase, são comuns as manifestações de desamparo, tédio e raiva pela perda da liberdade. É uma reação de ajustamento situacional caracterizado por ansiedade, irritabilidade, e desconforto em relação à nova realidade. Estas reações são esperadas e preocupam do ponto de vista da saúde mental quando passam a afetar a funcionalidade do indivíduo. A terceira fase está relacionada com as possíveis perdas econômicas e afetivas decorrentes da epidemia. As pessoas confinadas terão perdas econômicas importantes. As pessoas que forem internadas vão passar por uma experiência traumática principalmente aqueles que exigem intubação e tratamento intensivo. Elas têm uma experiência próxima da morte, sendo as sequelas mais importantes a depressão e risco de suicídio e o desenvolvimento posterior do estresse pós-traumático.

Como combater o isolamento psicológico?

Para se combater o isolamento psicológico, é muito importante nos mantermos distantes, mas conectados, não perder a conexão com amigos e familiares, hoje facilitada pelos celulares e internet. Para tornar o isolamento tolerável é muito importante construir uma nova rotina, não ficar de pijamas, e buscar atividades lúdicas e criativas, como pintar, organizar fotografias, leitura, ouvir música, e manter atividade física. São muitas as pessoas que estão em completa atividade remota, o que vai revolucionar as atividades possíveis de serem realizadas através da internet, como substituição de aulas presenciais, atendimentos médicos e psicológicos, e reuniões de trabalho.

O que fazer em caso de sintomas de ansiedade e depressão?

As reações emocionais ao estresse da pandemia são normais, quando ela for embora, não teremos este estresse e o organismo volta ao seu equilíbrio natural. A ansiedade preocupa quando o foco de apreensão expande os limites relacionados com a pandemia, ela invade outras faces da vida como a familiar, conjugal e profissional. Na depressão, o indivíduo deixa de ter interesse pelas atividades que gostava, é invadido por intensa tristeza, sente uma irritabilidade incontrolável, sensação de fadiga, desgaste emocional, insônia, pensamentos negativos e até ideias de que não vale a pena viver. É muito comum a coexistência de sintomas depressivos e de ansiedade. Quando a ansiedade e a depressão começam a afetar a funcionalidade, é sinal que se deve buscar ajuda profissional qualificada.

Momentos de crise como esse geram mais casos de pânico? Como evitar uma crise de pânico nessa situação?

O estresse é fator de risco para vários transtornos mentais. O pânico pode ser disparado nos casos de maior ansiedade. É provável que nesta segunda fase da doença, a do confinamento, possa haver uma incidência maior de pânico. Os fatores que podem minimizar o pânico é a busca de informações precisas sobre a doença, estimular o lado altruísta do indivíduo ao reconhecer que o isolamento faz parte de um comportamento grupal em prol de um benefício social. Se todos aderirem vamos ter uma redução de casos novos e da mortalidade associada a epidemia. Não é salutar passar o dia inteiro buscando notícias sobre a pandemia. O que reduz o estresse é se manter ativo nas redes sociais, obter informação de qualidade, buscar um ócio criativo, manter o humor, e atividade física regular. Praticar yoga e meditação podem reduzir substancialmente o estresse. O gerenciamento das preocupações, medos e conceitos falsos no nível comunitário é tão importante quanto o cuidado de pacientes individuais.

Idosos estão no grupo de risco da covid-19. A saúde mental deles tende a ficar mais comprometida?

É um grupo que precisamos mostrar solidariedade, vão tender a ficar mais isolados e isso afeta a saúde mental, principalmente a depressão. Temos que mantê-los ligados através da comunicação contínua que hoje pode ser feita de forma virtual, skypes, face timing com os netos, por exemplo, demonstrar empatia e afeto, ajudá-los quando preciso nas compras de supermercado e outras eventuais necessidades que a idade restringe.

Como a família pode ajudar o idoso neste momento?

É só não esquecer deles, mantê-los conectados a distância, demonstrar afeto, colocá-los em contato com os jovens, conversar amenidades, entretê-los de forma empática e criativa, combater a solidão e o desamparo.

Como lidar com crianças especiais neste momento?

As crianças vão exigir mais do que exigem em tempos normais. Elas têm mais dificuldade em mudanças de rotina. Buscar uma nova rotina é essencial para elas se sentirem mais seguras.

Tenho um amigo que está em depressão. Qual é a melhor forma de eu ajudar? Como devo construir o diálogo com ele?

A melhor forma é abrir o jogo, conversar sobre o que está acontecendo, não deixar que a depressão se aprofunde. O maior obstáculo é o preconceito e a falta de informação. Muito importante alertar que a pessoa não está bem e que precisa de humildade para buscar ajuda profissional qualificada. Vamos ter vários casos decorrentes das perdas econômicas, profissionais e afetivas, ligar este alerta público é fundamental para superarmos este momento. É um período que vamos perder na economia, mas podemos ganhar muito em humanidade. É um momento sem precedentes para se combater o egoísmo e o imediatismo. É a primeira vez que teremos de agir como nação, e renunciar às recompensas imediatas para lucrarmos no futuro. O país não vai ser o mesmo depois desta crise.

Fonte: UNIFESP

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